sexta-feira, 19 de abril de 2019


 Criar um bioma dentro de outro bioma

Compreender o que é um bioma e conhecer as espécies que nele vivem é fundamental para a criação de medidas que visam à conservação dessas áreas e definirmos o tipo de intervenção que podemos e que não podemos fazer.

O bioma pode ser definido, segundo o IBGE, como “um conjunto de vida vegetal e animal, constituído pelo agrupamento de tipos de vegetação contíguos e que podem ser identificados a nível regional, com condições de geologia e clima semelhantes e que, historicamente, sofreram os mesmos processos de formação da paisagem, resultando em uma diversidade de flora e fauna própria.” Esse termo provém do grego Bio = vida e Oma = grupo ou massa.

Bioma é uma unidade biológica ou espaço geográfico cujas características específicas são definidas pelo macroclima, a fitofisionomia, o solo e a altitude, dentre outros critérios. São tipos de ecossistemas, habitats ou comunidades biológicas com certo nível de homogeneidade.

Dentre os outros critérios podemos citar alguns que, direta ou indiretamente e em maior ou menor grau, devem ser levados em consideração ao decidirmos criar um bioma dentro do bioma no qual vamos interferir com nossa bioconstrução para que ela seja o mais natural possível, que cause menor impacto ambiental e proporcione qualidade de vida para seus habitantes.

Em nosso caso específico vamos nos ater às características do Bioma Cerrado, onde geralmente atuamos. O Bioma Cerrado é o segundo maior da América do Sul, ocupando uma área de 2.036.448 Km², correspondente a mais de 22% do território e é constituído principalmente por savanas. Este bioma abrange os estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Piauí, Rondônia, Paraná, São Paulo e Distrito Federal, além dos encraves no Amapá, Roraima e Amazonas.

O Cerrado contém três das maiores bacias hidrográficas da América do Sul, (Tocantins-Araguaia, São Francisco e Prata) o que, de certa maneira, favorece sua biodiversidade.

A paisagem do bioma é predominantemente caracterizada por extensas formações savânicas, interceptadas por matas ciliares ao longo dos rios, nos fundos de vale.

As árvores do bioma são muito peculiares, com troncos tortos, cobertos por uma cortiça grossa, cujas folhas são geralmente grandes e rígidas. Muitas plantas herbáceas têm órgãos subterrâneos para armazenar água e nutrientes.

Os problemas mais comuns no Cerrado são normalmente causados pelo fogo que podem ser, inicialmente como incêndios naturais e posteriormente, causados pelo homem.

No ambiente do Cerrado são conhecidos até o momento mais de 1.500 espécies animais, formando o segundo maior conjunto animal do planeta. Se bem que ainda incompletamente conhecida, a flora do Cerrado é riquíssima. Tomando uma atitude conservadora, poderíamos estimar a flora do bioma cerrado como sendo constituída por cerca de 3.000 espécies, sendo 1.000 delas do estrato arbóreo-arbustivo e 2.000 do herbáceo-subarbustivo.

Devido à ação do homem, o Cerrado passou por grandes modificações, consequentemente, causando a extinção de algumas espécies. Dentre as que correm risco de desaparecer estão a Anta, capivara, onça-pintada, onça-parda, preá, paca, jaguatirica, cachorro-do-mato, calango, preguiça, teiú, cateto, gambá, lontra, tatu-bola, tatu-canastra, tamanduá-bandeira, cobras (cascavel, coral verdadeira e falsa, jararaca, cipó, jiboia), queixada, guariba.

Para efeito de nossa bioconstrução devemos ainda levar em consideração tudo que está implícito em termos da biodiversidade animal de um bioma, ou seja, as demais espécies visíveis como pássaros e insetos e também as invisíveis como fungos, vírus e bactérias.

Só para citar um exemplo de como isso pode interferir em nossas escolhas de materiais devemos lembrar que o uso histórico da taipa de mão ou pau a pique criou condições ideais para a hospedagem do Barbeiro, principalmente nos estados do Centro-Oeste. O inseto alojava-se nas ocas das paredes e a partir dali contaminava os seres humanos com o trypanosoma cruzi e os principais vetores da Doença de Chagas, invisíveis aos olhos dos seres humanos. No caso do adobe, quando utilizamos matéria orgânica como palha seca ou capim na sua composição, criamos habitats naturais para hospedagem de formigas e cupins.

No caso da estruturação dos alicerces, por exemplo, devemos estar atentos à sua impermeabilização para evitarmos a umidade por capilaridade nos pés das paredes, que, além de deteriorá-las, tornam-se habitats ideais para todo tipo de fungos e bactérias.

No caso da flora, a escolha de certas plantas para comporem os jardins e o paisagismo do terreno, podem contribuir para a limpeza do ar, a retenção de umidade, a captura de carbono atmosférico, a reciclagem da água e de nutrientes para o solo e a liberação de oxigênio através da fotossíntese. A presença de arvores e arbustos por sua vez, contribuem ainda com o sombreamento do solo e da casa promovendo conforto térmico e acústico, todavia seu emprego deve ser estudado afim de não prejudicar os efeitos benéficos e portanto desejados, em termos de ventilação e luminosidade naturais. O efeito do sombreamento por meio de arvores deve considerar ainda o uso de placas fotovoltaicas e de aquecimento solar sobre os telhados bem como de sua limpeza e manutenção no que se refere ao acúmulo de folhas e galhos.

O conhecimento do solo, do lençol freático e da topografia do terreno são fatores importantes para nossa construção pois dele dependerá nossas escolhas em termos de fundações e estruturação da obra, do uso de cisternas ou poços artesianos, assim como o regime de chuvas e a precipitação pluviométrica determinarão a eventual necessidade de drenagem, o destino das águas da chuva, a localização e o tipo de sistema de tratamento das águas servidas, dos dejetos e do possível uso de biodigestores.

Outro fator muito importante a considerar é o clima do Bioma Cerrado caracterizado por duas estações bem demarcadas: uma chuvosa, com duração de aproximadamente 6 meses (outubro a abril) e outra seca (maio a setembro), com precipitação média anual de 1500 ± 500 mm.

Na estação seca, a umidade relativa do ar chega a atingir, muito frequentemente, índices de 12%, semelhante aos desertos da Terra. As variações da temperatura diária podem chegar a 15 graus Celsius entre a mínima e a máxima. Nos meses mais frios do ano, junho e julho, a temperatura mínima costuma chegar facilmente aos 8 graus Celsius. As máximas podem chegar a 40 graus ao longo do ano. 

A atmosfera do cerrado costuma ser calma, sem ventos fortes. Somente em agosto costumam ocorrer ventanias, que podem até formar redemoinhos de poeira.

Em geral, a radiação solar no cerrado é bastante intensa, em especial no inverno, quando o céu fica praticamente sem nuvens. Nos períodos chuvosos de alta nebulosidade ou na época de seca, com abundância de névoa, o nível de radiação diminui.

Todos esses fatores climáticos são decisivos para a escolha das formas, dos métodos e dos materiais quando se pensa em um processo construtivo que cria e recria um microbioma dentro de um macrobioma.

Considerando que a manutenção da biodiversidade do bioma Cerrado depende, dentre outros fatores, da relação homem ambiente, a chamada bioconstrução, digna deste conceito,  deverá integrar e interagir com sistemas hídricos, hidráulicos, térmicos, eólicos, luminosos, edafológicos, morfológicos, biológicos, elétricos e energéticos. Esse é o grande desafio da sustentabilidade nos dias de hoje, afinal a construção civil é a segunda atividade humana que mais impacta  a natureza, perdendo apenas para a indústria petrolífera.


Por isso tudo, do ponto de vista econômico, querer comparar simplesmente custos de material e mão de obra entre uma bioconstrução e uma construção convencional, sem levar em consideração a questão da sustentabilidade, é uma falsa polêmica. Essa será uma equação que nunca fechará sem adicionarmos os custos indiretos decorrentes do impacto ambiental causado pelos materiais, métodos e processos convencionais e sem considerarmos os benefícios humanos, sociais e ambientais de uma bioconstrução.